Era mais um dia de batente, quando entrou no salão de beleza uma mulher cabisbaixa, deprimida, que escondia seu cabelo natural com uma peruca lisa. Ela viria a se tornar mais uma das clientes de Luiz, que após ter tido uma experiência fracassada com guanidina – substância agressiva para relaxar a estrutura capilar – resolveu entregar os fios nas mãos do cabeleireiro especializado em crespos. Após uma conversa de quarenta minutos, ela contou que foi obrigada no trabalho a alisar seu cabelo e estava com a autoestima fragilizada.
A história é só mais uma das que marcam as quase três décadas do salão Belezza Black. Luiz Marques, 56 anos, foi o primeiro cabeleireiro do Brasil a criar um produto específico para cabelo crespo e hoje tem uma linha com 18 itens que atendem a necessidade das baianas.
Marques integra o universo de empreendedores negros de Salvador que, apesar de serem maioria, são afastados pela segregação social para as periferias. Segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), apenas 5% desses empreendedores negros ganham mais de 20 salários mínimos, enquanto 23% dos brancos ganham o mesmo valor.
A doutora em sociologia e pesquisadora em empresariado negro, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Angela Figueiredo, diz que a dificuldade dos empreendedores negros vai desde o acesso ao crédito até a conquista do público que hesita em consumir diretamente de um produtor afrodescendente. Na avaliação da estudiosa, esse seria um dos motivos para grande parte desses empreendedores investirem na produção de bens e serviços voltados para a população negra.
Exemplo disso é o caso designer de moda Madalena Silva, ou apenas Madá Negrif, que começou como sacoleira no bairro e hoje já vende suas peças em outros seis estados. “Eu visto meu povo. Entendo a dificuldade da mulher negra, com as ancas largas e os peitos fartos, em encontrar roupa em qualquer lugar. Esse é o diferencial da marca e vejo que as pessoas se identificam com isso”, diz empresária que procura colocar bolso nas peças pensando na praticidade de quem pega ônibus, por exemplo.
Através da valorização da estética negra, Madá conseguiu o que pouco empresários conseguem: não só se manter, mas crescer no atual cenário nacional. Segundo pesquisa do Sebrae Nacional, a taxa de mortalidade das empresas soteropolitanas dois anos após a criação é de 43%, a maior do estado. Salvador também ocupa o penúltimo lugar das capitais nordestinas com o pior índice de sobrevivência de empresas, onde 57,2% resistem o segundo ano de mercado, perdendo apenas para Recife.
Nessa mesma linha estratégica de dialogar diretamente com o público negro, a jornalista Lorena Ifé faz parte do grupo de pessoas que aproveitaram a demissão para se tornarem donas do próprio negócio.
Ela começou há três anos com um blog para cabelos crespos. Hoje o transformou em uma marca de turbantes e bijuterias que ela mesma faz. Diferente dos demais, Lorena trabalha principalmente online e vende suas produções pelas redes sociais e pela Kumasi, uma loja virtual colaborativa que reúne empreendedores negros da periferia.