Essa semana a ex-diretora de moda da Vogue Britânica, Lucinda Chambers, parou o mundo da moda. Entre confissões e descontentamentos de seu antigo emprego, estava a alegação de que ela parou de ler a revista há bastante tempo! Mas o que exatamente motivou a artista a não acreditar na mensagem que ela mesma passava?
Deixa eu explicar o que vem acontecendo por lá. Tudo começa em jan/2017 quando Alexandra Shulman resolve deixar o cargo de editora-chefe, posto que ela ocupava há mais de 25 anos. Agora quem está no comando da redação é Edward Enninful, o primeiro homem negro a ocupar essa posição na empresa. Ele é bem influente no mundo da moda, mas isso é assunto pra um outro texto.
Dentre seus principais feitos já dentro da revista (se não o principal), está a demissão de Lucinda, artista com 36 anos na casa – sendo os últimos 25 como diretora de moda. Em nota oficial, a Vogue Britânica disse que a artista estava se desligando da empresa. E o babado começa aí.
Um mês e meio ao dia de sua demissão, mais precisamente no último 3/jul, Lucinda abriu o peito pro Vestoj numa entrevista que precisa ser lida por todos comunicólogos. Primeiro que ela não mediu palavras ao dizer que, sim, foi mandada embora por Edward numa conversa que não durou nem três minutos.
Depois que ela assumiu que não lia a revista há anos! O motivo? Os efeitos nocivos de trabalhar e consumir uma revista como a Vogue Britânica. “Há pouquissimas revistas de moda que fazem você se sentir habilitado. A maioria te deixa totalmente ansiosa por não ter o tipo certo de jantar, por não ter colocado a mesa no jeito certo ou encontrado o tipo certo de pessoas”, afirma.
Ela ainda confessa que nunca levou um estilo de vida vogue, além de achar que as roupas eram ridiculamente caras e irrelevantes pra maioria das pessoas. Um exemplo? A capa de jun/2017 com Alexa Chung numa “estúpida” camisa Michael Kros só porque “ele é um grande anunciante, então eu sabia porque eu tinha que fazer isso. Eu fiz a capa de qualquer maneira”.
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Ela acrescentou que “na moda estamos sempre tentando fazer as pessoas comprarem algo que não precisam. Não precisamos de mais bolsas, camisas ou sapatos. Então, acreditamos, intimidamos ou encorajamos as pessoas a continuar comprando. Eu sei que as revistas brilhantes devem ser aspiracionais, mas por que não ser úteis e aspiracional? Esse é o tipo de revista de moda que eu gostaria de ver.”
A grande questão é esse modelo aspiracional que a comunicação opera. A publicidade, por exemplo, principalmente aqui no Brasil, trabalha com o a ideia de “como um homem branco, cis e hétero gostaria que eu fosse”. Entretanto, a lacuna entre o aspiracional e a diversidade de corpos é tão grande que acaba prejudicando a autoestima e até a busca por alguns produtos.
Essas representações difundidas na comunicação ajudam a reforçar padrões de beleza e estereótipos. Só nos últimos anos a gente passou a ver modelos negras nas propagandas de cosméticos: a violência midiática é simbólica! Negra Rosa já falou, inclusive, que um dos principais desafios na divulgação de sua linha de base recentemente lançada é educar um público que sequer usava esse produto.
Quando eu criei o blog, lá em 2013, fui motivado pela constante frustração que sujeitos não-brancos experimentam num cenário midiático que não valoriza ou sequer reconhece as diferenças étnicas. Eu não me identificava com o conteúdo que consumia. Talvez more aí a resposta pra essa quantidade imensa de marca se reposicionando atualmente.
Porém, como já sabemos, não é novidade que certas comunicações tenham suas existências dependentes ao relacionamento com poderosas instituições e indivíduos. A entrevista de Lucinda à Vestoj, por exemplo, já foi retira do ar e voltou com uma nota explicando que foi editada.